se quiser saber um pouco mais do mesmo, nada de novo:

Raça e Justiça


Direitos Humanos para quem? Raça e Justiça no Brasil

Cleyton Wenceslau Borges
Jaime Amparo Alves

07 de maio de 2005.

História e conjuntura atual

Para estudar um pouco sobre direitos humanos, mesmo que o nosso enfoque seja em um ponto específico (indicadores sócio-étnicos), é importante ter noções básicas sobre a teoria das gerações de Direitos Humanos. São elas: 1) direitos humanos de 1ª geração – os direitos individuais, gestada no século XVII, com o direito de liberdade política, da livre iniciativa econômica, da manifestação da vontade, liberdade de pensamento, liberdade de ir e vir. 2) A 2ª geração dos direitos humanos - os direitos metaindividuais, coletivos ou difusos, é resultado do embate entre as forças sociais. Compreendem os direitos sociais, relativos à saúde, educação, previdência e assistência social, lazer, trabalho, segurança e transporte. 3) Os direitos humanos de 3ª geração - os direitos dos povos ou direitos da solidariedade, frutos das lutas sociais e das transformações sócio-político-econômicas ocorridas nesses últimos três séculos de história da humanidade e que resultaram em conquistas sociais e democráticas que envolvem temas de interesse geral, como a biodiversidade e o meio-ambiente, entre outros. Por fim fala-se já de uma quarta geração de direitos humanos, ligados à comunicação, à democratização da informação e à internet, entre outros.

Vem à tona um questionamento: o grau de desenvolvimento social da humanidade permite dizer que já evoluímos o suficiente em relação aos direitos humanos? Sim e Não. Se, por um lado, respondemos que sim, pois os direitos estão consolidados e constam nas cláusulas pétreas (inalteráveis) das constituições modernas, entre elas a Constituição Brasileira de 88, por outro lado a realidade social nos desafia: até que ponto os direitos humanos estão sendo respeitados pelos governos, pelos agentes públicos, pela polícia, pela elite brasileira? E quando se fala em raça e justiça, os direitos humanos são garantidos para quem?

Aprofundando o tema central

A violência (cotidiana e estrutural) fere de modo contundente os direitos humanos garantidos em Leis e Constituições. Quem são as vítimas, na maioria dos casos?

A publicação “A Cor da Morte”, da revista Ciência Hoje, de outubro de 2004 faz graves constatações. Somente em 1996 o Ministério da Saúde começou a incluir o quesito cor da pele/raça nas declarações de óbitos. Ainda assim, é muito grande o número de respostas como “raça desconhecida ou ignorada”. A matéria diz que, ao se cruzarem dados de gênero e cor/raça, “vemos que tanto entre os homens quanto entre as mulheres, as diferenças entre brancos e negros são grandes, e também são mais fortes entre os homens. Entre os homens, a taxa de vitimização por 100 mil habitantes é de 56,7 para os negros e de 36,7 para os brancos. Entre as mulheres, as taxas são mais baixas, mas as diferenças relativas persistem: 4,4 para negras e 3,6 para brancas.”

Gilberto Dimenstein, já em 1996, relatou na excelente obra “Democracia em Pedaços – Direitos Humanos no Brasil”, pág. 24, o seguinte:...”no ano de 1994, em São Paulo, foram registradas 4.494 vítimas de homicídios, um crescimento de 14,7% em relação a 1993. As mortes violentas ocasionadas por agentes externos são a terceira causa de morte no município, perdendo apenas para doenças do aparelho circulatório e câncer. À medida que se caminha do centro para a periferia, a “causa mortis” deixa de ser o câncer e doenças cardíacas para ser mortes violentas e acidentes de trânsito.” O detalhe que chama a atenção é que “... 85% dos homicídios praticados pela Polícia Militar entre 1977 e 1987 ocorreram na periferia. Os pretos e pardos são agredidos em percentual extremamente superior à sua presença relativa na população. ”

Normalmente, a mídia diz que a elite, os moradores de condomínios de luxo e dos bairros ricos, são grandes vitimas da violência. Um olhar crítico sobre os jornais e os dados acima pode nos dar outra interpretação. Quais são as possíveis conclusões que podemos tirar dos parágrafos anteriores?

Nosso papel é tomar consciência, sermos críticos, formar e multiplicar opiniões e pressionar os órgãos públicos para dar as respostas com políticas públicas sérias de inclusão. Mesmo que estejam sendo implementadas boas atitudes de governo, pontualmente aqui ou acolá, não podemos diminuir nossa militância e vigilância enquanto sociedade civil organizada. Ao lutarmos pela defesa de direitos humanos, muitas questões urgentes precisam ser respondidas.

Cabe a quem responder a estas questões?

a) Existência de fazendas, ainda no século XXI, com trabalho escravo;
b) Abandono dos povos indígenas, principalmente quanto à saúde e à educação;
c) Exploração do trabalho infantil e adolescente (negação do ECA e dos direitos trabalhistas);
d) Escravidão “por dívida” em que nordestinos e nortistas, na sua maioria negros, são arrancados da sua região pela promessa de emprego e tornam-se trabalhadores semi-escravos para pagar a “dívida” originada pelas despesas de viagem, moradia (precária), alimentação, etc.
e) Tráfico de pessoas, principalmente de mulheres, com envolvimento de pessoas que lucram com a prostituição de brasileiras no exterior;
f) Por que a cor da pele continua sendo fator de suspeita pela polícia?
g) Por que casos típicos de RACISMO são ainda enquadrados como simples “injúria” por parte dos delegados?

E os direitos humanos das mulheres?

“A droga a gente vende só uma vez, enquanto as mulheres a gente vende várias vezes, até que não agüentem mais, fiquem loucas, morram de doença, ou se matem”, afirma um dono de casa de prostituição, em entrevista a uma revista canadense. Segundo cálculos da ONU, de 1 a 4 milhões de seres humanos são traficados por ano no mundo todo. Em sua maioria são mulheres, destinadas à exploração sexual, que vivem em condições semelhantes às de escravas. Há que se promover a cidadania feminina, para tirar a mulher de subalternidade, do desamparo, da opressão e da desigualdade em relação ao homem.

E as mulheres negras?

Durante o mês de março/2005, a Prefeitura de São Paulo divulgou cartazes nos ônibus coletivos com a seguinte campanha: “Apenas 5% das mulheres negras ocupam cargos de chefia nas empresas e somente 4% das mulheres negras de São Paulo possui curso superior” (Dieese). Você viu esta campanha? O que ela lhe diz?

E os direitos humanos dos negros?

Não é difícil constatar as desigualdades entre brancos e negros nos vários indicadores sociais. No tocante aos direitos humanos, o caso é mais grave: A PM de São Paulo coleciona uma série de acusações de extorsões e assassinatos de negros entre 17 e 24 anos. Segundo o Datafolha, 91% dos jovens entrevistados nesta faixa etária já foram abordados pela PM. Nos últimos anos, houve um crescimento preocupante no número de assassinatos pela polícia. Em 2001 foram 385 assassinatos, em 2002 foram 581, em 2003 os números chegaram a 868 e somente no último trimestre de 2004 foram assassinadas 159 pessoas pela polícia no Estado. Segundo o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 100 brancos e 170 negros são assassinados anualmente por policiais militares, em cada cem mil brasileiros. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que 51% dos negros brasileiros dizem já ter sofrido discriminação por parte da polícia, contra 15% dos brancos.

Dois fatos que ocuparam bastante espaço na mídia em épocas diferentes merecem ser abordados: 1) No início de 2004, o brutal assassinato do dentista Flávio Santana, vítima do racismo de policiais militares de São Paulo, chocou o país. De lá pra cá, quantos outros Flávios foram abordados desrespeitosamente, agredidos ou assassinados? 2) Outro fato, mais recente, foi o das agressões verbais de cunho racista do jogador argentino Leandro Desábato ao atacante do São Paulo, Grafitte. Estes dois casos, com os vários questionamentos que suscitam, por si só dariam argumentos a ricos debates.

Há muitos outros problemas ligados à temática dos direitos humanos que poderíamos colocar em discussão. Mas como ficou frisado, a intenção é afunilar para um recorte social e, dentro deste, um recorte racial e étnico do assunto. Nosso foco é investigar, denunciar, conhecer a fundo, sugerir e lutar por políticas públicas e ações afirmativas voltadas à defesa dos direitos humanos da população negra. Qual deverá ser o nosso passo seguinte?

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