se quiser saber um pouco mais do mesmo, nada de novo:

De onde vem a violência?


Repressão contra movimentos sociais: um relato sobre ações arbitrárias do Estado contra o movimento negro e as organizações populares.

São Paulo, 21 de Agosto de 2007. Fãs de Raul Seixas caminhavam pelo centro de São Paulo, lembrando os 18 anos de sua morte. Na mesma noite, militantes representantes de 40 organizações sociais (estudantes, camponeses, negros, sem-terra, mulheres, sindicalistas, quilombolas) realizavam uma atividade da Jornada Nacional em Defesa da Educação Pública em todo país, com eventos culturais, passeatas, mobilizações, debates e inúmeros encontros com o objetivo de despertar a atenção da população para diversas pautas de valorização da Educação em todos os níveis. Ocupou-se o pátio da Faculdade de Direito da USP, simbolizando o protesto contra a exclusão de pobres e negros da USP. Pela madrugada, a atividade é interrompida: A Tropa de Choque da Polícia Militar invade o espaço público do Largo de São Francisco e violentamente reprime, com cassetetes, fuzis, metralhadoras, insultos e ameaças, prendendo os 300 militantes presentes. Motivo da prisão: nenhum. Desrespeito à Lei: inúmeros. Apenas para ilustrar: crianças e jovens ficam ao relento na Rua Riachuelo por horas sem acesso a advogados; proibição da imprensa de se aproximar; proibição dos frades franciscanos de falar com militantes; humilhações de toda espécie. Na delegacia, horas após o uso da força, não é aberto nenhum inquérito. A ordem para a ação da Tropa de Choque foi dada pela alta cúpula do Governo do Estado (Secretário de Segurança Pública e Governador José Serra), com aval do diretor da faculdade da USP e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Naquela noite, no mesmo campus, dois debates haviam tratado do tema Inclusão e Educação Superior, seguido de um show de MPB com o cantor Tom Zé. Na internet e num filme produzido por universitários, é possível saber mais detalhes desses atos arbitrários. O acontecido remete-nos aos anos de chumbo da ditadura militar quando, em 1968, a Faculdade de Direito havia sido invadida pela PM.


Santo André, ABC-Paulista, 18 de Outubro de 2007. Universitários e professores pediam a saída do Reitor Odair Bermello, da Fundação Santo André. O movimento reivindicatório realizava greve, com adesão de professores e universitários da instituição. Mais uma vez o Governo trata a questão social como caso de polícia e dá ordens à Tropa de Choque da PM para reprimir a mobilização. Desta vez a violência física é escancarada e vários estudantes são covardemente agredidos. As imagens na internet e nos jornais televisivos comprovam a incapacidade das autoridades de dialogar e respeitar os direitos humanos.


Bairro Perdizes, São Paulo, 10 de Novembro de 2007. Universitários da Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP manifestam-se contra a política de reestruturação da universidade, que incluía demissões de professores e funcionários. O tratamento dado foi similar aos anteriores. Pela primeira vez, após os anos de ditadura militar, o tradicional espaço de liberdade de expressão e de organização social dos estudantes foi tomado por 110 policiais da Tropa de Choque. A última invasão da PM na PUC foi há 30 anos, por mando do Coronel Erasmo Dias. Acusa-se os movimentos de usarem métodos também violentos, ou seja, a ocupação de uma universidade.


Ao tratar do assunto no Boletim da Associação Juízes para a Democracia (AJD) nº 38, João Pedro Stédile, da direção nacional do MST, reporta-se à década de 1990, momento em que as classes dominantes passam a adotar políticas econômicas e sociais neoliberais. "O neoliberalismo é uma forma de apresentar a ideologia dos ricos. Trata-se da subordinação de toda economia brasileira aos interesses do capital internacional". Stédile continua explicando como o sistema financeiro e a concentração de renda são complementados pela ação do Estado, quando exerce a repressão social. "O Estado é cada vez mais repressor e controlador dos pobres em geral. O brasileiro pobre, jovem ou negro é alvo permanente da polícia. Já os pobres que resolveram se organizar em movimentos sociais, como o MST, movimentos por moradia, passe-livre etc., o Estado age com seus serviços de inteligência, fazendo escuta telefônica, vigiando lideranças, plantando informações falsas na imprensa, manipulado os meios de comunicação sob o controle das elites. E, se julgar necessário, aciona o aparato do Poder Judiciário e da Polícia contra os movimentos".


A História do Brasil retrata muito bem a violência contra os grupos sociais organizados, desde sempre. A campanha militar para derrubada dos Quilombos (o maior exemplo foi Palmares), a guerra que culminou com a destruição de Canudos (entre tantas outras revoltas populares reprimidas com uso da força) são exemplos históricos de como o Estado atual herdou a postura de truculência contra as insurgências sociais. A história oficial é escrita e contata pelas mãos da elite, da forma que lhe interessa. Sendo assim, quase sempre as informações são distorcidas de modo a atender os interesses da elite. O que nós sabemos da organização dos Quilombos? Na escola, foi-nos ensinado sobre o grande endividamento financeiro para comprar canhões da Inglaterra, com o objetivo de destruir Palmares?


Em 1910, "nas águas da Guanabara" marinheiros pertencentes ao quadro da Marinha, protestaram contra os castigos corporais aplicados ao grupo, entre os quais as famosas chibatadas. O objetivo do governo da época era disciplinar, com o uso da força, da ameaça. Usava-se o castigo da chibata como exemplo para que não se repetisse atitudes ou desobediência a ordens superiores. Um resquício da escravidão. Conhecido como "Almirante Negro", o jovem João Cândido liderou uma grande revolta dos marinheiros. No dia do aniversário da cidade do Rio de Janeiro tomou de assalto vários navios. Para mostrar que o protesto era sério, Almirante Negro e seus companheiros apontaram os canhões dos navios para a cidade. Naquela madrugada de 16 de novembro a Guanabara estava repleta de navios estrangeiros que aportavam para a posse do Marechal Hermes da Fonseca na Presidência da República. Só com a ameaça de bombardeamento da capital federal o governo aceitou que se parasse com o castigo das chibatas. Mas o Governo baixou um decreto regulamentando o afastamento dos marinheiros julgados indesejáveis e, em seguida, mandou prender 22 deles, entre os quais alguns participantes da revolta.
Este é um ponto crucial do nosso debate: até quando os grupos políticos, que desempenham importante papel na democracia com suas propostas, reivindicações e cobranças, serão reprimidos pela polícia? Ao invés de dialogar, buscar soluções e cumprir seu papel com sérias políticas públicas, a maioria dos governantes usa a força ou permite que a elite faça o mesmo, como no caso dos conflitos por terra e chacinas de trabalhadores rurais em acampamentos.
Um primeiro passo para mudarmos esse quadro de opressão é a tomada de consciência! Por outro lado, é nosso compromisso-cidadão exigir responsabilidade por parte das secretarias de segurança pública, chefes de gabinete, comando das polícias, agentes públicos (policiais civis, federais, militares, GCM etc.), assessores técnicos, enfim, daqueles que decidem e daqueles que aplicam as políticas governamentais na prática. Devemos cobrar respeito às diferenças culturais, à diversidade étnica, às divergências ideológicas e punição severa aos que agridem os direitos humanos e agem com arbitrariedade e selvageria em relação aos movimentos sociais.


É importante refletirmos: como o governo de nossa cidade, nossos representantes no Poder Legislativo, o governo do Estado e o governo Federal têm respondido às demandas do povo negro e pobre por terra, pão e paz? Como o estado tem agido frente às pressões populares pelo acesso à educação? Como podemos cobrá-los?


Autor: Cleyton Wenceslau Borges

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